
A azia depois do almoço ou aquele ardor incómodo a subir pelo peito acima podem ter mais em comum com a balança do que imaginamos. A relação entre obesidade e a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) não é só uma coincidência desconfortável, mas sim um alerta médico com números e consequências bem reais.
Conversámos com Alexandre Ferreira, gastroenterologista no Hospital da Luz e membro da Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia, para perceber de que forma o excesso de peso pode influenciar, e agravar, os sintomas de refluxo e o que podemos fazer para quebrar este ciclo. “A obesidade e o excesso de peso constituem um importante fator de risco para a DRGE, tendo estudos epidemiológicos demonstrado uma prevalência, nesta população, de 40 a 60%. Este grupo de doentes tem também risco aumentado de complicações associadas ao refluxo, como a esofagite erosiva, o esófago de Barrett e o cancro do esófago” começa por recordar o médico.
A culpa, segundo o especialista, não é apenas da balança. É um enredo complexo, onde entram a dieta, o sedentarismo, o microbioma intestinal, a predisposição genética e até alterações hormonais causadas pela obesidade abdominal. Esta última, por exemplo, aumenta a pressão dentro do abdómen e compromete o funcionamento do esfíncter esofágico inferior – aquele “anel” muscular que deveria impedir o ácido do estômago de subir.
Mas o problema vai mais longe: quem sofre de refluxo tende a alterar os seus hábitos alimentares para evitar o desconforto, o que, paradoxalmente, pode levar a escolhas menos saudáveis e a mais peso. Tratar o refluxo em pessoas com obesidade exige mais do que medicação. “O tratamento da DRGE nos doentes com obesidade é desafiante e deve incluir, para além da medicação (inibidores da produção de ácido), estratégias de controlo do peso e da composição corporal e alterações comportamentais específicas”, explica Alexandre Ferreira.
Neste caminho, o Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) e os profissionais de saúde desempenham um papel-chave. Dieta equilibrada, exercício regular, apoio médico e, em casos mais graves, intervenções cirúrgicas podem fazer toda a diferença.
Em jeito de conclusão, o médico é claro: “A obesidade é um importante problema de saúde pública e um fator de risco significativo para o desenvolvimento e complicações da DRGE. A abordagem terapêutica eficaz deve incluir promoção de hábitos de vida saudáveis, estratégias de perda de peso (incluindo medicação, intervenções endoscópicas e cirúrgicas) e controlo de sintomas de refluxo". E talvez, da próxima vez que o estômago reclamar, o corpo esteja a tentar dizer algo mais profundo.
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