Se está a ler este texto, há uma grande probabilidade de já ter ouvido a frase: “Está tudo normal, não sabemos o porquê de ainda não ter engravidado.” Talvez até já tenha passado pela bateria habitual de exames, pelas ecografias, pelos testes hormonais, pelo sem-fim de análises que acabam por não trazer respostas. Vem apenas uma expressão técnica, fria, que esconde uma realidade devastadora: infertilidade inexplicada.

Não é um beco sem saída, é um convite. Um convite para escutar o corpo com mais atenção, mais cuidado e mais respeito. É um pedido para olhar além dos números, além das tabelas, e lembrar que cada mulher é um universo. E cada universo merece ser compreendido na sua profundidade.

(In)fertilidade (in)explicada

Para muitas mulheres, esta é uma das frases mais difíceis de digerir. Não pela palavra "infertilidade", porque há luta, há esperança, há ação, mas pelo "inexplicada". Como é possível que, em pleno século XXI, com toda a ciência e tecnologia à disposição, alguém nos diga simplesmente que não sabe o porquê de não conseguirmos engravidar?

A medicina convencional chama-lhe infertilidade inexplicada: uma categoria atribuída quando, após exames básicos em ambos os membros do casal, não se encontra nenhuma razão aparente para a dificuldade em conceber. Este é o caso em cerca de 25% das situações de infertilidade em Portugal.

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A orientação mais convencional, após dois anos de tentativas — especialmente quando a mulher tem menos de 40 anos —, é a referência para tratamentos como a fertilização in vitro (FIV). Mas antes disso, muitas vezes são sugeridos medicamentos como o clomifeno (Clomid), que, segundo algumas guidelines, não melhora as taxas de gravidez em casos de infertilidade inexplicada, quando comparado com continuar a tentar naturalmente.

A verdade é que o clomifeno, além de não ajudar em muitos casos, pode agravar o sentimento de frustração e desconexão com o próprio corpo. Eu vejo isso repetidamente em mulheres que chegam até mim: sentem-se esgotadas, não só fisicamente, mas emocionalmente, depois de tantos “nadas”.

Mas e se eu lhe dissesse que este diagnóstico de “inexplicado” apenas significa que talvez ainda não olhámos com a profundidade suficiente?

O que a avaliação médica convencional costuma incluir?

Antes de alguém receber o rótulo de infertilidade inexplicada, os exames habitualmente realizados são:

• Avaliação hormonal básica (FSH, LH, estrogénio, progesterona)
• TSH (hormona estimulante da tiroide)
• Ecografia pélvica ou histerossalpingografia, para verificar a anatomia do útero e das trompas
• Espermograma simples (no homem)

Se tudo aparece dentro dos valores de referência e ainda assim a gravidez não acontece, vem o “não sabemos porquê”. Mas há muito mais que pode — e deve — ser explorado para compreender a saúde reprodutiva em profundidade.

Quatro áreas cruciais que costumam ser ignoradas

Na abordagem integrativa e funcional à fertilidade feminina e masculina, procuramos causas silenciosas: inflamações subtis, desequilíbrios microbianos, carências nutricionais e padrões genéticos que podem estar a interferir com o processo de conceção. Eis quatro áreas-chave que merecem atenção:

1. Microbioma vaginal e uterino

A ciência já comprovou que o útero e a vagina não são estéreis — muito pelo contrário. Um microbioma vaginal saudável, dominado por lactobacilos, protege contra inflamações, apoia a fertilização e sustenta a implantação do embrião.

Bactérias como Gardnerella ou Prevotella, quando em excesso, estão associadas a menor sucesso reprodutivo e maior tempo até à conceção. Sabe aquele corrimento esbranquiçado com um cheiro mais intenso ou comichão vaginal? Será normal, ou talvez não?

O melhor? Podemos testar, tratar e restaurar esse ecossistema. Com protocolos adequados (antimicrobianos naturais, probióticos específicos e suporte nutricional), muitas mulheres conseguem restaurar o equilíbrio vaginal e melhorar significativamente o ambiente reprodutivo.

"Se eu lhe dissesse que este diagnóstico de “inexplicado” apenas significa que talvez ainda não olhámos com a profundidade suficiente?" - Dra Andreia de Almeida

2. Avaliação hormonal abrangente

Não basta olhar apenas para o FSH e a progesterona. Testes mais completos como o DUTCH Test (excreção urinária de hormonas) ou painéis hormonais mais complexos podem revelar:

• Desequilíbrios de androgénios (como testosterona elevada ou baixa)
• Níveis de prolactina, SHBG, insulina
• Prolactina (cujo excesso pode impedir a ovulação)
• SHBG (uma proteína que modula a disponibilidade hormonal)
• Hormonas de stress e ritmo de cortisol
• E ainda nutrientes críticos como vitamina D, vitamina B12, ácido fólico, ferro e zinco — todos com impacto direto na função ovulatória, endometrial e na qualidade do embrião.

É como trocar uma lanterna por um holofote: de repente, vê-se muito mais.

3. Quando a causa é masculina

Durante muito tempo, o foco da fertilidade recaía quase exclusivamente sobre a mulher. Mas sabemos hoje que até 50% das causas de infertilidade têm componente masculina. E mesmo que o espermograma tradicional venha “normal”, há muito que não está a ser observado.

Por exemplo: carências nutricionais, inflamação crónica de baixo grau, stress oxidativo, má regulação hormonal, resistência à insulina e até exposições ambientais (como disruptores endócrinos) podem impactar negativamente a qualidade espermática, dificultar a fertilização ou comprometer o desenvolvimento embrionário.

Através de análises laboratoriais específicas e uma boa anamnese clínica, conseguimos identificar e tratar essas causas silenciosas. E muitas vezes, os resultados são surpreendentes — tanto no aumento da fertilidade natural como no sucesso em tratamentos de reprodução assistida.

As boas notícias? Intervenções com antioxidantes específicos, mudanças na alimentação, redução de toxinas e apoio ao estilo de vida podem melhorar significativamente a qualidade do esperma.

4. Testes nutrigenómicos e epigenéticos

A nossa genética não é um destino, é um mapa.

Testes nutrigenómicos permitem-nos ver variantes em genes como MTHFR (metilação), COMT (metabolismo de estrogénios), GSTM1 (desintoxicação), entre outros. Estes pequenos polimorfismos podem impactar a fertilidade através de mecanismos subtis, como a má absorção de ácido fólico, a acumulação de estrogénios ou a dificuldade em lidar com stress oxidativo.

Com base nestes dados, conseguimos construir um plano personalizado de suplementação e nutrição, tanto para a mulher como para o homem, focado nas reais necessidades biológicas de cada um.

Na minha prática clínica, é precisamente aqui que começam os verdadeiros diagnósticos — os que fazem sentido. As perguntas que ainda não foram feitas. Os exames que ainda não foram sugeridos. Os padrões que o corpo tem tentado revelar, mas que passam despercebidos nos exames tradicionais.

Uma história real: quando um simples diagnóstico muda tudo

A “Ana” procurou-me após dois anos a tentar conceber o segundo filho. Todos os exames diziam que estava tudo “normal”. Foi-lhe sugerido iniciar FIV, mas algo nela dizia que ainda havia mais a descobrir. Realizámos um teste ao microbioma vaginal, que revelou um ambiente empobrecido em lactobacilos e sobrecrescimento de bactérias inflamatórias.

Com um plano específico para restaurar o microbioma intestinal e vaginal, em menos de dois meses, a Ana engravidou naturalmente. Hoje, é mãe orgulhosa de uma menina saudável.

O que o seu corpo está a tentar dizer

A infertilidade é um sinal, não um fracasso.
É a forma como o corpo comunica que algo não está em equilíbrio, e muitas vezes esse “algo” não é visível nas análises convencionais.

O casal merece mais do que um diagnóstico vazio. Merece uma abordagem que olhe para o todo: hormonas, microbioma, genética, nutrição, estilo de vida, emoções. Merece ser ouvida, compreendida e apoiada com empatia e ciência.

Se sentem que estão prontos para ir mais fundo, descobrir as verdadeiras causas e terem apoio numa jornada de cura e conceção, esta pode ser a hora de mudar a abordagem.
A fertilidade não é um mistério, é uma linguagem. E juntos, podemos traduzi-la.

A Dra Andreia de Almeida, é médica certificada em Medicina Funcional e Medicina Anti-Aging, com treino especializado em Modulação Hormonal e suplementação avançada. Conhecida pela sua abordagem empoderadora e focada na pessoa, através da sua prática clínica procura inspirar as pessoas a encontrarem o equilíbrio, bem-estar e felicidade interior. Escreveu o livro “Saúde para ELAS: o kit de sobrevivência para mulheres dos 20 aos 60+”, um livro dedicado à saúde feminina.